Sendo direto ao ponto, Eriksholm: The Stolen Dream é uma ótima surpresa do início ao fim, tanto pela narrativa e personagens quanto pelo gameplay isométrico com foco total em furtividade.
Jogos do gênero de ação furtiva/stealth evoluíram bastante desde o PS1 até a geração atual com o PS5. Apesar de ser uma temática bem nichada, ela era bastante presente em consoles mais antigos, geralmente trazendo um gameplay isométrico para facilitar o senso de exploração do local e a possibilidade de encontrar rotas de fuga ao invés de ir para o combate direto. Metal Gear Solid catapultou o gênero e, desde então, a partir de evoluções da série e do mercado de videogames, esse estilo passou a ter maior foco na perspectiva de jogos de tiro em terceira pessoa. O “stealth raiz” acabou sendo aproveitado em experiências mais concisas ou de menor valor de produção, seja por empresas indies ou até por empresas tradicionais, em jogos de baixo custo de produção.
A regra não é diferente no caso de Eriksholm: The Stolen Dream, jogo de estreia da empresa sueca River End Games. Aqui, temos uma experiência totalmente voltada aos jogos de ação furtiva clássicos, remetendo aos títulos isométricos dos anos 90 que eram lançados no PC. Ao mesmo tempo, o jogo aproveita muito bem as tecnologias atuais – esteticamente falando – para entregar uma experiência gráfica e sonora bastante enriquecedora, além de certos vícios das gerações mais recentes, como coletáveis que servem para aprofundar a narrativa.
Vem comigo nessa análise para entender o porquê de Eriksholm ser uma experiência mais que recomendada, servindo como ponto de partida para quem nunca jogou um stealth raiz.

Respirando a Art Nouveau
Desde a tela de título e os elementos de menu do jogo até cada pedacinho com um ar vitoriano da fictícia cidade de Eriksholm, o título deixa clara a utilização da Art Nouveau para desenvolver a história do início ao fim, não somente por uma escolha estética, mas também como viés cultural e social nas temáticas apresentadas durante o desenrolar do enredo. Apesar de ser baseado em cidades suecas, é possível encontrar muitas referências de ambientações de outros locais europeus, como a Inglaterra e a Itália no período da Revolução Industrial — época retratada no jogo, mesmo que não seja explícito o ano em que a história se passa.
Todo o cenário da cidade e os gráficos são de encher os olhos, tanto pela forma natural como as construções parecem ter sido feitas em Eriksholm, quanto pela diversidade de ambientes: desde maquinários pesados do período industrial que representam o progresso – do ponto de vista socioeconômico – até o contraste com vielas e casas mais simples que se entrelaçam com a natureza do local, entregando um ar mais bucólico de cidades rurais. Essa mistura de cenários, junto à forte presença de máquinas, estruturas de ferro, construções de madeira, além das roupas dos personagens, guardas e da arte nos pôsteres espalhados pela cidade, é um dos pontos mais fortes e orgânicos de Eriksholm, transmitindo de forma tangível a sensação de estar turistando por uma cidade histórica da Europa.
Além disso, o jogo possui cenas em CG graficamente excelentes e muito bem-vindas para o desenvolvimento de alguns momentos-chave. Os movimentos de captura dos personagens e todos os detalhes de textura da pele e das roupas ficaram bem impressionantes e se entrelaçam perfeitamente com os gráficos dentro do jogo. As cenas mais simples e feitas em tempo real também são ótimas e, apesar de não ser possível ver de forma nítida o rosto dos personagens, o trabalho de dublagem entrega exatamente o que cada momento da cena precisa. Destaque para o sotaque inglês carregadíssimo de todos os personagens, que acrescenta bastante à ambientação da cidade.

A cidade e a menina
O jogo é focado na relação entre a personagem principal Hanna e o seu irmão Herman. Logo depois da recuperação milagrosa da menina – sobrevivente de uma doença severa que está matando cerca de 80% da população de Eriksholm, em um cenário semelhante à peste negra (algo que, muito provavelmente, nunca acontecerá novamente, e… ah) –, seu irmão decide voltar a trabalhar nas minas tentando cumprir a promessa feita pelos dois de deixar a cidade e ir para o distrito de Apple Gardens, lugar de desejo de ambos para ter uma vida mais simples.
Pouco após a saída do irmão, guardas da cidade vasculham a casa de Hanna de forma truculenta, a mando do Prefeito, procurando por Herman por motivos ainda desconhecidos. Hanna aproveita um momento de distração e, com a saúde recuperada, foge — dando início à jornada da menina em busca do paradeiro do irmão para que juntos cumpram a promessa de ter uma vida melhor.
Logo no começo do jogo é perceptível o quanto Hanna é uma personagem bastante independente, e isso não é por acaso: os dois irmãos não têm pais e foram criados em um grupo liderado por Alva, uma contrabandista influente na região. Herman é um dos prodígios de Alva; porém Hanna parece, além de mais velha, mais habilidosa e furtiva do que o irmão. Esses pequenos detalhes são explicitados durante as cenas do jogo e em coletáveis ao longo do caminho, que contam a história da cidade e são frequentemente seguidos por algum pensamento de Hanna sobre sua vivência em Eriksholm ou por uma lembrança vivida junto de Herman.
O objetivo de Hanna é, inicialmente, fugir dos guardas e, ao mesmo tempo, procurar informações que a levem ao irmão, encontrando-o antes do Prefeito. Para isso, o jogo mescla o enredo com um gameplay de ação furtiva e algumas reviravoltas e elementos de cenário que ajudam Hanna a se deslocar pela cidade sem ser vista. Nesse aspecto, o jogo é bastante enriquecedor, incorporando na jogabilidade certas características dos personagens e da própria cidade de Eriksholm. Por se tratar de uma adolescente, Hanna claramente não possui a mesma força e arsenal dos guardas, porém sua inteligência e seu tamanho permitem que ela surpreenda os inimigos escondendo-se em locais de difícil acesso e esgueirando-se de forma difícil de ser detectada. Não se trata de uma super-heroína; portanto, o gameplay aqui é muito mais focado em fugir e usar o cérebro, encontrando caminhos pela cidade para seguir adiante.
O jogo é dividido em oito fases, e a história progride entre elas, geralmente com acontecimentos mais importantes ao final de cada fase. Mesmo que o desenrolar explore, em vários momentos, os acontecimentos na cidade de Eriksholm e personagens importantes ao redor de Hanna, o foco maior do desenvolvimento narrativo está na própria Hanna — em seu objetivo inicial de fugir com o irmão e em seu ponto de vista sobre a cidade: como ela enfrenta a crise da “praga do coração”, que está dizimando a população, enquanto todos os esforços do Prefeito se concentram em capturar Herman. Inicialmente pode parecer que os temas são apenas pano de fundo para o desenvolvimento da protagonista, mas é bem interessante ver como a temática do jogo orbita ao redor de Hanna e como suas decisões geram impacto direto em temas como guerra, pandemia, traições e redenções, afetando não apenas os cidadãos, mas também a própria cidade de Eriksholm.
Do início ao fim, a história é cativante; todos os diálogos são bem pensados de acordo com cada situação, e cabe ao jogador decidir se quer se aprofundar ainda mais em entender Eriksholm através dos coletáveis espalhados pela cidade. De longe, é o aspecto mais interessante do jogo — junto da própria Hanna, que é uma excelente personagem.

Aquele stealth raiz
Para além da excelente história, o gameplay também contribui muito para a experiência — Eriksholm é, grosso modo, um Metal Gear Solid (o clássico de PS1) vitoriano. A jogabilidade de ação furtiva é, à sua maneira, semelhante à do clássico, e alguns recursos são bastante familiares, como a identificação do raio de visão dos inimigos por meio de cones. A diferença aqui está na ausência de um mapa no cenário e em um ritmo um pouco mais lento, focado sempre em se esconder nos ambientes da cidade, com momentos de combate direto praticamente inexistentes. A versão usada para esta análise foi a de PS5; joguei com controle e a experiência é simples e intuitiva. No PC, é possível usar o mouse para clicar na direção em que você quer que a personagem se mova, lembrando bastante alguns jogos clássicos do gênero para computador.
O jogo eleva gradualmente os desafios a cada fase, ensinando que, além de Hanna poder se esconder, ela pode (e deve) usar o ambiente a seu favor para atrair a atenção dos guardas, reposicioná-los e permitir que ela passe por locais que, inicialmente, seriam impossíveis sem ser detectada. Ao longo do jogo é possível entrar em bueiros, passar por cima de cercas, espantar pássaros para fazer barulho, entre outras interações com a cidade que aumentam, de forma progressiva, a complexidade das ações furtivas que você precisa executar.
O jogo não se prende apenas a esse tipo de interatividade: logo no começo, Hanna adquire uma zarabatana, arma que ela usava em treinamentos quando pertencia ao grupo de Alva. A zarabatana serve unicamente para incapacitar os inimigos (sem matá-los), permitindo que você atravesse uma área sem ser percebido. Essa mudança no gameplay vem acompanhada de outras possibilidades: ao derrubar um inimigo, é preciso sempre estar escondido atrás de algum objeto ou nas sombras para não chamar a atenção, já que o efeito do veneno demora alguns segundos para derrubar a vítima. Em certos momentos também é necessário carregar o corpo inconsciente dos guardas para um local de difícil acesso, pois guardas caídos alertam imediatamente os demais, fazendo com que a missão falhe.
Ao longo das fases, outros personagens da história tornam-se jogáveis, cada um com habilidades específicas e formas próprias de transitar pelos cenários. Por exemplo, Alva ajuda Hanna logo no começo e usa um estilingue para quebrar lâmpadas e atrair guardas, além de conseguir subir em estruturas que Hanna não alcança. A partir desse momento, é necessário usar as duas personagens em conjunto para passar furtivamente por trechos do jogo em que o itinerário dos guardas é amplo o suficiente para encurralar Hanna com facilidade. Esses momentos deixam o gameplay mais desafiador de maneira gradativa, o que é bastante positivo.
De toda forma, há dois detalhes que pecam um pouco e poderiam ser melhor explorados. O primeiro é simples e diz respeito à dificuldade, em alguns momentos, de entender o que deve ser feito, por conta de arbitrariedades em certos desafios. O jogo, em regra, não permite que você derrube um guarda sem que outro o veja, mas em alguns trechos isso é permitido e esperado. O mesmo vale para Hanna: em certas situações, mesmo no escuro, ao atirar em guardas ela pode ser vista e denunciada, falhando a missão, enquanto em outros não acontece nada. Essas arbitrariedades, somadas a cenários mais confusos em fases posteriores, tornam certos desafios mais estressantes do que o normal, pois fica difícil identificar o que precisa ser feito.
O segundo ponto é a linearidade do stealth em si: praticamente em todos os desafios existe apenas uma forma correta de fugir dos guardas sem ser percebido. Isso torna o gameplay muito engessado, sem oportunidades para o jogador explorar a mecânica interessante dos personagens para resolver as situações de outras maneiras. Em desafios mais complexos, o jogo acaba virando uma sequência de tentativas e erros até encontrar a única solução correta. Apesar de os checkpoints serem frequentes e amenizarem um pouco a frustração de repetir os desafios, mais adiante as fases se tornam longas, não pela duração da narrativa, mas pela repetição de tentativas frustradas, já que é preciso controlar mais de um personagem ao mesmo tempo e evitar que todos sejam encontrados pelos guardas.
Não existe um estado de alerta gradual para os guardas; portanto, outras estratégias ficam inviabilizadas e o jogo interrompe, avisa que você falhou a missão e exige que você recomece exatamente da forma desejada pelos desenvolvedores. Um pouco mais de liberdade, ou ao menos algumas alternativas adicionais para os desafios, ajudaria bastante; porém, não é o caso aqui. Eriksholm pega você pela mão o tempo todo para mostrar o que precisa ser feito.
Mesmo assim, o gameplay é bem amarrado e funciona de forma agradável. É prazeroso explorar o cenário, ouvir as conversas dos guardas e perceber a imagem que eles têm de Hanna — uma menina tonta e indefesa — algo totalmente subvertido, já que é ela quem dá a volta neles o tempo todo, deixando-os feitos idiotas.
Vale citar também decisões de interface bem inteligentes que agregam à experiência audiovisual: os diálogos entre os personagens são contextuais à posição deles e aparecem quase como balões de fala. Isso contribui para a sensação de que a voz de cada personagem se propaga até certo limite no ambiente, e, em algumas situações, é necessário ficar próximo aos inimigos para entender o que estão dizendo. Por sua vez, os pensamentos da personagem principal aparecem em texto, como legendas, dando a percepção de que ela não está falando sozinha, mas reagindo mentalmente às situações.

Eriksholm em todo lugar
Apesar da história ser bem fechada, com reviravoltas interessantes, e do gameplay se sustentar ao longo das oito fases (mesmo com alguns pontos de crítica citados acima), toda a estética e a ambientação de Eriksholm poderiam ser muito bem aproveitadas em uma sequência, com decisões de gameplay mais inteligentes e uma história igualmente envolvente.

Praticamente todos os personagens principais apresentados no jogo são interessantes o suficiente e realçam ainda mais a incrível Hanna, além de mostrar um pouco do que torna Eriksholm um lugar tão interessante de se visitar, quer você seja fã do stealth raiz ou não.
Esta análise é baseada na cópia de PS5 fornecida pela Nordcurrent Labs.