Após o estrondoso sucesso de seu antecessor, Ghost of Yōtei chega como sucessor espiritual de Ghost of Tsushima. O novo projeto da Sucker Punch leva o conceito de jornada samurai a um ambiente inédito: as frias e vastas paisagens de Ezo (atual Hokkaido), dominadas pela presença imponente do Monte Yōtei. Mais do que um cenário, a montanha se torna o centro espiritual e simbólico da história, um elo entre o mundo dos vivos e dos mortos. Uma narrativa que demonstra como pequenas decisões podem desencadear eventos que mudarão para sempre a vida de uma família.
A loba
Em Ghost of Yōtei, acompanhamos Atsu, uma onna-musha marcada por tragédias do passado. Após perder tudo que tinha nas mãos dos Seis de Yōtei – uma coalizão de guerreiros e líderes que controlam as terras ao redor do vulcão –, ela parte em uma jornada de vingança e purificação. Cada um dos inimigos representa não apenas um obstáculo físico, mas uma cicatriz emocional da protagonista. O jogo constrói sua narrativa de forma fragmentada, revelando pedaços do passado de Atsu por meio de flashbacks, documentos e conversas com personagens que cruzam seu caminho. Logo no primeiro minuto nos encontramos com O Cobra, um dos algozes de sua família. Apesar de servir como tutorial, este primeiro duelo é uma ótima maneira de apresentar ao jogador o que ele vai viver nessa jornada de vingança e redenção – onde é que eu já vi isso?
A história equilibra realismo histórico e elementos sobrenaturais. Espíritos, yokais e lendas regionais fazem parte da ambientação, sem que o jogo perca sua coerência. O tom é mais melancólico do que épico, e há uma sensação constante de solidão e redenção que permeia cada capítulo. A escrita é sutil e poderosa, evitando diálogos excessivos e preferindo deixar o ambiente contar as histórias que as palavras não dizem. Apesar disso, em diversos pontos me senti desconexo da trama. As demasiadas coincidências narrativas me chamaram a atenção – encontrar um NPC específico para que uma situação ocorra, e no momento mais oportuno possível, por exemplo, acontecia com tanta frequência que, em vários momentos, me passava a sensação de saber o que aconteceria em seguida.

Ezo e sua profundidade (ou a falta dela)
O combate é o coração pulsante de Ghost of Yōtei, e a Sucker Punch aprimorou o que já funcionava em Tsushima. O sistema de parry e esquiva é mais preciso e dinâmico, e a variedade de armas transforma cada duelo em uma dança de morte. A katana continua sendo a arma principal, mas a inclusão de armas alternativas como a yari (lança), a kusarigama (foice com corrente) e o ōdachi (espada longa) adiciona novas dimensões ao combate. Cada uma possui um ritmo e uma cadência próprios, exigindo que o jogador adapte o estilo conforme o inimigo.
Os confrontos são brutais e cinematográficos. Golpes certeiros, esquivas e o uso inteligente das habilidades espirituais criam momentos intensos e recompensadores. O jogo também permite uma abordagem mais furtiva, com ferramentas aprimoradas como bombas de fumaça, kunais e armadilhas silenciosas. O stealth está mais orgânico e integrado às áreas abertas, permitindo ao jogador se mover entre sombras, neblina e vegetação alta sem que o fluxo da ação seja interrompido. Apesar dessas opções, adotar uma abordagem mais cautelosa não trouxe grande vantagem. Em diversas bases inimigas, mesmo sem alertá-los, ao tentar eliminar o último inimigo ele sempre chamava reforços, iniciando um novo combate. Aos poucos, percebi que a minha liberdade era minada em relação ao que foi decidido pelos desenvolvedores.

A progressão de Atsu é muito rápida e demonstra alguns sinais de flexibilidade. Há uma árvore de habilidades dividida entre estilos, e o jogador pode criar combinações únicas em que o jogo diz mudar completamente a forma de encarar os combates, mas na prática não impactam tanto durante os confrontos, já que em mais de 80% do tempo, utilizaremos os golpes e esquivas principais de cada arma para lidar com os inimigos – o que acabou escancarando o quão fácil é adquirir pontos de habilidade, pois basta encontrar os santuários específicos, rezar e escolher qual habilidade você quer obter, tanto que ao enfrentar o segundo chefe, não encontrei dificuldade alguma no combate, já que para aquele inimigo em específico eu já estava municiado do melhor que o game poderia me oferecer até então.
O sistema de armaduras permanece o mesmo: além de atributos, cada conjunto possui habilidades passivas e bônus contextuais, incentivando a experimentação. Porém, diferentemente da jornada do Lorde Sakai, não vi tanta vantagem nas trocas de armaduras em cada situação. Passei praticamente toda a campanha com uma das primeiras armaduras disponíveis e somente trocava para uma que facilitava encontrar itens cosméticos e colecionáveis – melhorias essas que permitem uma personalização visual detalhada sem a necessidade de microtransações.
A exploração do mundo é um ponto alto. O mapa de Ezo não é apenas grande – é cheio de propósito. Cada região apresenta biomas distintos, como florestas de pinheiros, vales congelados, vilarejos em ruínas e cavernas com segredos ancestrais. Animais espirituais, altares escondidos e relíquias antigas oferecem recompensas únicas e ampliam o lore do jogo. A verticalidade, agora mais presente, cria oportunidades para escaladas e travessias que integram o gameplay à exploração de forma natural. Os pontos de interesse não são marcados de forma explícita, o que estimula a curiosidade do jogador, mas pode acabar entediando o jogador logo após algumas horas. Por exemplo, você conversa com um aldeão e ele te informa que, em uma região específica, ouviu falar que existe uma fonte termal. Ao invés do local ser marcado no mapa, você precisará abri-lo, apertar quadrado e, em seguida, com a ajuda de um esboço feito por Atsu, identificar o local.
Outro ponto importante é a falta de dificuldade – ou até de equilíbrio – que senti durante minha estadia em Ezo. Apesar de enfrentar 8 ou 9 inimigos por vez, eles eram muito educados e raramente atacavam de maneira efetiva ao mesmo tempo. Mesmo sem um amuleto que auxiliava nas esquivas, era muito fácil desviar de ataques e contra-atacar de forma efetiva. Já em outros casos, um inimigo específico era sempre mais resistente e não morria por nada. Quando isso acontecia, ele era sempre o cara com a informação aleatória, revelando um ponto de interesse no mapa. Cheguei a derrubar o mesmo inimigo três vezes e somente após matar seu último companheiro que ele finalmente desistiu e resolveu abrir o bico – algo que poderia facilmente ser resolvido se, ao invés de um inimigo específico ser o informante, o último sobrevivente após derrotado começar a falar.

Atenção aos detalhes
A direção de arte de Ghost of Yōtei é simplesmente deslumbrante. A Sucker Punch constrói um Japão setentrional reimaginado, com uma paleta de cores fria, rica em contrastes e detalhes que parecem pintados à mão. O uso do clima é uma ferramenta narrativa: tempestades de neve que reduzem a visibilidade, neblinas densas que escondem ameaças e auroras boreais que transformam o céu em espetáculo visual. Cada frame poderia ser uma fotografia. Aproveitei o clima para tirar diversas fotos e atualizar meu book de fotógrafo gamer – como se isso fosse profissão de verdade…
A trilha sonora segue a filosofia do jogo – menos é mais. A música surge apenas quando necessário, reforçando emoções específicas. Os instrumentos tradicionais japoneses são combinados com tons ambientais e efeitos sonoros naturais. O silêncio é tão importante quanto as melodias, e o design de som faz o jogador sentir cada passo sobre a neve, cada sussurro do vento e o impacto seco de uma lâmina atravessando a armadura do inimigo. O resultado é uma imersão sensorial que transforma o simples ato de caminhar por um campo nevado em uma experiência meditativa.
No PlayStation 5, Ghost of Yōtei brilha tanto visual quanto tecnicamente. Os modos de desempenho e fidelidade estão bem otimizados, mantendo 60fps estáveis na maior parte do tempo. A renderização de partículas – especialmente em tempestades de neve e efeitos de fogo – impressiona. O sistema de iluminação dinâmica cria momentos de tirar o fôlego, principalmente durante as batalhas noturnas sob a aurora. Carregamentos são quase instantâneos e o jogo oferece um conjunto robusto de opções de acessibilidade, permitindo ajustar contraste, vibração tátil e até filtros visuais cinematográficos.
Exploração é a chave
Ghost of Yōtei é um jogo repleto de conteúdo. A campanha principal dura em torno de 27 horas, mas o game está recheado de missões secundárias e eventos dinâmicos. As Lendas de Ezo são pequenas histórias independentes espalhadas pelo mapa, cada uma explorando aspectos diferentes da cultura e espiritualidade locais. Algumas envolvem personagens recorrentes, outras apresentam criaturas míticas ou desafios únicos, resultando em alguns dos momentos mais memoráveis do jogo.

Há também os Santuários Espirituais, áreas que testam a habilidade e a observação do jogador. Resolver seus enigmas rende habilidades raras e peças de armadura lendárias. Além disso, por se tratar de uma caçadora de recompensas, Atsu recebe diversos alvos de caçada. Bandidos, samurais corrompidos e líderes do exército do Lorde Saito devem ser eliminados. Apesar de interessantes as batalhas, o design dos personagens deixa muito a desejar. Em sua grande maioria, se tratam de reaproveitamentos de inimigos que comumente enfrentamos ao longo da campanha, e o que poderia ser um duelo épico contra um inimigo exclusivo, acaba virando só mais um adversário com uma barra de vida maior do que os demais, o que acabou me desapontando muito.
Os colecionáveis cumprem um papel narrativo, revelando fragmentos da história do clã de Atsu, dos habitantes de Ezo e da própria maldição que assombra a região. Nada parece supérfluo: cada item encontrado contribui para expandir a compreensão do mundo. E para quem busca longevidade, o jogo ainda promete um modo cooperativo gratuito, inspirado em Tsushima: Legends, programado para chegar em 2026.
Confesso que me diverti muito explorando cada metro quadrado deste Japão histórico – não vi o tempo passar, e quando percebi já tinha mais de cinco horas jogadas apenas em atividades secundárias. Apesar disso, a diferença de empenho entre o conteúdo principal e o secundário é evidente. As expressões faciais dos personagens parecem ter sido feitas por iniciantes, enquanto nas missões principais é possível sentir o fardo e o peso das ações de Atsu em seu olhar. A dificuldade dessas atividades também deixa a desejar, pois com exceção de um oponente, era muito fácil passar pelos desafios.

Conclusão
Ghost of Yōtei é uma experiência visual e sonora de cair o queixo, com combates elegantes e uma ambientação que beira o poético. Apesar de tropeçar em repetições, desequilíbrio de dificuldade e algumas decisões de design questionáveis, o novo jogo da Sucker Punch mantém o charme e a profundidade emocional que consagraram seu antecessor. Algumas missões secundárias repetem fórmulas conhecidas, e o ritmo mais introspectivo pode afastar quem procura ação constante. Ghost of Yōtei é, sem dúvida, um dos grandes jogos da geração – uma obra que combina contemplação, técnica e emoção com rara elegância.
Esta análise é baseada na cópia de PlayStation 5 fornecida pela PlayStation.




