Hell Clock – Análise

Douglas Souza Dos Santos (@Cliffburtonildo1)
Douglas Souza Dos Santos (@Cliffburtonildo1)

Já imaginou uma junção entre Path of Exile, Diablo e Hades? Misture esses três jogos com uma pitada do sotaque nordestino e o talento brasileiro, e está feito Hell Clock, um Action RPG Roguelite que traz uma proposta diferente do habitual de seu gênero. Desenvolvido pela Rogue Snail e distribuído pela Mad Mushroom, o título chega para nos mostrar um pouco mais da Guerra de Canudos, que muitos de nós brasileiros ouvimos tanto falar na escola.

Afie sua peixeira caba da peste, e juntos, vamos desvendar os mistérios por trás do sumiço de Antônio conselheiro.

A peleja é eterna

Estamos no controle de Pajéu, um dos homens de confiança de Antônio conselheiro – líder da resistência contra os militares republicanos. Pajéu retorna do mundo dos mortos após oito anos do massacre de Canudos, no conglomerado de Quixeramobim, na Bahia.

Pajeú descobre que foi tocado por uma estranha maldição que lhe permite cruzar os portões do inferno em busca da alma perdida de Antônio conselheiro. Sua missão é clara: conduzi-la à paz e libertar aqueles que foram condenados ao ciclo interminável do tormento deste massacre.

Mas essa travessia entre mundos não é livre. Pajeú carrega consigo um relógio amaldiçoado, um artefato que dita o tempo exato em que pode permanecer no inferno. Quando os ponteiros alcançam o fim, ele é arrancado de volta à superfície, retornando à antiga casa do conselheiro. Lá, precisa se preparar para mais uma descida, com o tempo retrocedendo a cada run, enquanto seu poder e força só aumentam.

Os diálogos são o suprassumo desse título / Reprodução: Autor

Em tempos de Murici, cada um cuida de si

Em Hell Clock, temos um combate Action RPG com elementos de Roguelite, onde a cada nível que subimos, podemos escolher entre três bênçãos como recompensa, sendo elas melhorias para as habilidades do personagem, bem como as passivas de suas relíquias. Falando em relíquias, vale destacar que elas são de total importância para nossa build, sendo obtidas ao derrotar os chefes de cada ato ou podendo ser adquiridas em estátuas que ficam no fim de cada área das nossas runs.

Para os jogadores que não são familiarizados com o sistema de combate e progressão de um ARPG, Hell Clock pode parecer muito repetitivo e cansativo, principalmente a partir do segundo ato, onde muitas áreas tem um escalonamento de dificuldade nítido. Com isso em mente, os desenvolvedores introduziram dois novos modos para iniciantes do gênero: o modo vingança e o modo relaxado. Cada um oferece formas distintas de vivenciar o combate, a progressão e a narrativa do título. Essas adições aproximam o jogo de uma experiência mais Roguelite, já que o limite de tempo para concluir os atos é removido e, a cada morte, o jogador retorna mais forte.

O título possuí uma grande variedade de opções de builds, mas ao longo da minha jornada de 21 horas, só consegui avançar tranquilamente com a build tanque, focada na habilidade Peixeira. A mecânica de tempo para concluir os atos me pareceu mais um obstáculo à experiência do que um verdadeiro desafio. Em diversas áreas, é comum gastar vários minutos enfrentando um único inimigo, que parece uma esponja de dano. A combinação desse cronômetro com inimigos extremamente resistentes acaba prejudicando o ritmo e a progressão do jogo.

Outro ponto que me incomodou foi a falta de sinergia entre algumas habilidades, além do fato de certas mecânicas ficarem restritas a alguns atos específicos, tornando as primeiras horas de jogo bem frustrantes e nada prazerosas.

Além disso, vale destacar a mecânica das constelações, dividida em três dádivas: Fúria, Disciplina e Fé. Essas constelações são totalmente voltadas para o terceiro ato do jogo e seu endgame, sendo representadas por entidades como Santa Edwiges, Iemanjá, São Longuinho, entre outras. No entanto, são introduzidas muito tardiamente – e acredito que, se tivessem sido apresentadas entre o primeiro e o segundo ato, se encaixariam perfeitamente na progressão da narrativa.

Infelizmente, o jogo sofre bastante com a repetição. A variedade de inimigos e chefes é limitada, e como o conteúdo do endgame ainda está em desenvolvimento, falta um incentivo real para continuar jogando após a conclusão dos atos principais.

O Relicário é onde sua build ganha forma / Reprodução: Autor

Servir e Sofrer

Hell Clock conta com três atos, oferecendo uma boa variedade de ambientes dentre eles, como cenários da caatinga, a casa assombrada do conselheiro, o metro/estação e um necrotério/laboratório.

A trilha sonora de Hell Clock carrega fortes influências da musicalidade nordestina, remetendo diretamente às canções marcantes de Luiz Gonzaga. Os arranjos despertam a alma do nordeste e acrescentam ainda mais identidade à experiência do jogo.

O que mais me chamou atenção ao longo da minha jornada em Hell Clock, foi o cuidado dos desenvolvedores com a localização das falas dos personagens. Ouvir um “Calor da gota!” desperta um verdadeiro calor no peito, trazendo todo o charme do sotaque e das gírias típicas do nordeste brasileiro. Essa escolha não apenas fortalece a identidade do jogo, como também faz com que nós, brasileiros, abramos um sorriso de orelha a orelha ao reconhecermos, com orgulho, a qualidade dessa produção nacional.

Além da excelente localização e dublagem, Hell Clock se destaca por um visual impressionante. A ambientação da época é retratada com riqueza de detalhes, indo dos personagens e armas até as bênçãos, relíquias e cenários. O estilo gráfico chama a atenção pelos traços e contornos expressivos, resultando em uma estética marcante que combina referências dos quadrinhos com a arte popular brasileira.

Apesar de todos os méritos, Hell Clock apresentou alguns problemas técnicos que comprometeram a minha experiência durante a jornada por Quixeramobim. Em certos momentos, como o final de alguns atos, cutscenes importantes simplesmente não foram exibidas. Além disso, enfrentei problemas no carregamento ao concluir as runs, e sem contar que algumas sprites de personagens e habilidades não renderizavam corretamente.

É dano que só a mulesta! / Reprodução: Autor

Não se avexe não, Hell Clock é diversão

Hell Clock apresenta uma proposta diferente do habitual em ARPGs, incorporando elementos de roguelite à sua fórmula – e ainda assim consegue ser igualmente cativante. O jogo conquista logo nos primeiros momentos graças ao cuidado com a localização das falas, repletas de gírias e expressões típicas do Nordeste, sendo um verdadeiro presente para quem valoriza a cultura brasileira nos games. Sua direção de arte é impecável, com visuais marcantes que dialogam tanto com o estilo dos quadrinhos quanto com a arte popular, enquanto a trilha sonora embala a jornada com a musicalidade nordestina tão familiar.

Hell Clock é uma aposta certeira, cumpadi – tanto para veteranos quanto para iniciantes no universo dos ARPGs. Com uma narrativa fictícia inspirada em eventos reais, o jogo ainda oferece um sistema robusto de builds e relíquias, capaz de prender a atenção por horas, incentivando a experimentação e o uso de diferentes estratégias.

Esta análise é baseada na cópia de PC fornecida pela Mad Mushroom.

Hell Clock
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