“CARACA, PARECE UM DESENHO, MEO”
Diria seu pai (ou sua mãe) vendo você jogar Wander Stars – e não é à toa: a proposta do jogo está justamente em provar a ideia de “e se um RPG fosse um episódio de anime?” ou vice-versa.
Wander Stars bebe diretamente da fonte dos animes clássicos dos anos 80 e 90 (mais especificamente Dragon Ball Z) e não esconde em momento algum as principais influências, tanto que todos os detalhes, desde os efeitos sonoros até as animações e o enredo, são totalmente reconhecíveis para quem já viu pelo menos um anime shonen na vida. E não seria muito diferente – feito pela venezuelana Paper Castle Games, a América Latina tem um carinho mais que especial com os animes, e uma ideia tão específica como essa teria como principal identidade, se não o próprio Japão, algum país da América Latina.
Toda a temática do jogo é bastante simples, não somente na ideia, quanto na execução. Mas o jogo se sustenta ao longo do tempo? Vem conferir com a gente nesta análise.

Botando o peso todo no supino
O que Wander Stars tem de leveza no seu começo, ele mostra o contrário no design dos personagens: todo mundo aqui toma 2 kg de whey no café da manhã, só para começar o dia – não tem uma alma que não esteja explodindo de músculos nesse jogo: tanto os personagens principais quanto os inimigos.
A jornada se inicia com a Ringo, personagem principal que tem como maior desejo ganhar o torneio de luta mais importante da cidade. É justamente em seus sonhos que você já é apresentado à dinâmica que permeia todo o restante do jogo: Wander Stars é um RPG de luta baseado em palavras. Cada palavra que você tem determina uma ação específica que o personagem irá executar contra os inimigos. O vocabulário (vulgo arsenal) de batalha é composto por palavras de ação como “chute”, “soco”, “cabeçada”, que determinam os golpes principais; palavras como “fogo”, “vento”, “água” que, adicionadas à ação, configuram em elementos para o golpe; e adjetivos como “super”, “grande”, “alto” que determinam mudança em atributos, como executar o golpe duas vezes ou atacar mais de um alvo. Logo na primeira batalha você já é apresentado ao tutorial do jogo, que explica de forma bastante simples e objetiva como funciona o básico do combate.
O primeiro combate já entrega toda a estética do jogo, que é de encher os olhos para quem é fã de anime: tudo aqui “cheira” a otaku. Os movimentos dos personagens são bem animados nas batalhas e, apesar de simples e não apresentarem muita variação, cumprem bem em sinalizar os golpes e o impacto dos danos. As animações em si passam bastante personalidade e usam vários recursos copiados dos animes em que Wander Stars se baseia, claramente como inspiração e referência.
Logo após a primeira batalha, entendemos que tudo inicialmente não se passava de um grande sonho da Ringo: morando com a sua avó e professora de luta (que é absurdamente bombada, como todo mundo nesse jogo), ela ainda tem um longo caminho a trilhar pela frente e vai precisar treinar muito se quiser almejar o topo. A partir dessa premissa bem simplória, o jogo progride e vai tomando forma até desenvolver o enredo principal, que tem de tudo um pouco: desde irmão perdido até tesouros enigmáticos que envolvem problemas e pessoas de todo o universo, literalmente. Assim como uma série de episódios do Dragon Ball Z, a temática do jogo vai se desenvolvendo de forma leve e cômica e é um terreno bastante conhecido, sem nada muito imprevisível, mas que propõe ser divertido justamente por ser confortável.
A influência em animes também se faz presente na rotina do jogo: cada capítulo é como se fosse um episódio. Wander Stars conta com 10 episódios diferentes, com um pouco mais de 1 hora cada, contando a história e o gameplay. Em grande resumo, o jogo foca mais em contar a história, tanto por meio de cenas simples e paradas quanto em cenas animadas, muito bem feitas, por sinal, ainda mais levando em conta que a Paper Castle é uma empresa feita de apenas 3 pessoas. Esses são os momentos em que o jogo é repleto de carisma, para além do próprio combate, a outra metade da laranja.

À procura do mais forte
Assim como um RPG mais tradicional, a dinâmica do Wander Stars está focada principalmente no combate e na progressão de habilidades e técnicas do personagem. Nesse caso, o jogo subverte alguns detalhes como os encontros, que não são aleatórios, e o esquema de progressão das habilidades – só é possível evoluir um personagem ao final de cada capítulo, de acordo com o dinheiro obtido nas batalhas.
Todo o esquema de navegação do jogo é feito de uma forma prática: cada episódio conta com uma série de “tabuleiros” em que você vai guiando a direção de Ringo. Cada espaço pode ter um evento relacionado à história, um combate ou pontos de descanso e coleta de itens. Completando um tabuleiro, você pode escolher o tipo de habilidade passiva que irá aumentar no tabuleiro seguinte para ajudar nos próximos combates. Essas habilidades passivas são temporárias somente em relação ao episódio jogado.
O sistema aqui funciona de forma muito similar à progressão de jogos de celulares como um Candy Crush da vida, porém funciona bem no formato de RPG e não seria um espanto se o jogo também tivesse uma versão para celular – algo que, atualmente, não é o caso. A história sempre se desenrola mais a cada tabuleiro, até o chefe do episódio. Um ponto que vale a pena ressaltar é que o jogo salva apenas entre as trocas de tabuleiro, então frustrações como perder para um chefe logo no espaço final do mapa farão com que você precise voltar o tabuleiro todo. Não é algo muito distante, mas demanda um comprometimento mínimo para garantir que sua progressão não vai ser apagada. Talvez o ponto mais importante desse formato de navegação é que mal existe exploração, tipo de jogabilidade que é bem esperada em jogos de RPG. A exploração aqui fica, para além de visitar os espaços no tabuleiro, no gerenciar o arsenal de palavras dos seus personagens. O foco maior acaba sendo, então, as batalhas.
E falando nas batalhas, também é bem perceptível como o jogo se baseia em Undertale para criar o seu combate, porém com um charme próprio: para além do sistema de batalhas feito por palavras, há um humor muito presente nas animações de todos os personagens e nos tipos dos inimigos. Seu objetivo está mais em incapacitar os oponentes, fazendo-os desistir, do que derrotá-los de fato.

Cada inimigo possui pontos fracos e resistências, tanto nos elementos que você adiciona aos golpes quanto em cada tipo de golpe executado. É um pouco estranho que inimigos com aparência igual possuem pontos fracos e fortes totalmente diferentes, então, apesar de cada combate parecer “novo”, pode ser um pouco confuso que inimigos visualmente iguais possuem estatísticas diferentes. Descobrir o ponto fraco acaba virando um trabalho de testar a sorte em toda batalha, o que tira um pouco da estratégia. O ideal nesses casos é equipar habilidades que já indiquem algumas das fraquezas e resistências no início da batalha.
Os pontos fracos devem ser explorados, mas também com uma certa cautela em relação à outra funcionalidade do combate: cada inimigo possui um ponto específico de desistência de acordo com a quantidade de HP que ele tem no combate – e isso também é aleatório. Em toda batalha, esse limite é visível junto à vida do inimigo. Seu objetivo é, ao selecionar o conjunto de palavras desejado para criar seu golpe, verificar se você irá tirar vida o suficiente (ou não) para forçar sua desistência. Tirando de menos, você terá de aguentar a batalha por mais tempo, o que pode ser arriscado, e tirando de mais, você pode derrotar o inimigo de vez. Antes de executar cada golpe, você consegue ter uma estimativa de quanto ele irá tirar em todas as situações possíveis, o que ajuda a identificar qual decisão tomar para cada ataque.
Derrotar um inimigo não é ruim per se, mas te dá atributos, itens de recuperação e dinheiro a menos e não permite que você o recrute para uma outra funcionalidade importante do jogo: poupar um inimigo faz com que ele entre no seu time como um incentivo equipável. Cada incentivo dá vantagens limitadas ao episódio, dentro e fora do combate, para o jogador conseguir lidar com as batalhas de uma forma mais prática. A regra funciona igual por aqui: cada inimigo possui um incentivo diferente. Alguns são ativados na própria batalha enquanto outros aumentam a quantidade de incentivos ou palavras que você pode equipar no combate. Trata-se de uma das features mais importantes para garantir que o combate seja finalizado de forma rápida, às vezes até mesmo no primeiro turno de batalha.
Esse é um dos pontos mais interessantes do Wander Stars – o combate acaba tomando forma não somente na hora da luta, mas também antes, no gerenciamento de palavras de ataque e de incentivo que você escolhe equipar. Dependendo da sua forma de jogar, você pode criar em um episódio uma estratégia focada em derrotar os inimigos o mais rápido possível. Em outro, você pode focar em receber menos dano ou até mesmo aumentar o limite de vida em que cada inimigo se renderá com os seus ataques. Mesmo parecendo limitado nos primeiros combates, a estratégia de saber quais itens e palavras equipar é um dos pontos mais divertidos e únicos, que dá uma profundidade a mais para além da seleção de palavras e utilização de itens entre os turnos.
O jogo apresenta mais um personagem jogável para além da Ringo, indispensável para o plot e para o combate, que é o Wolfe (alerta de furry), contraponto bem canastrão e que acrescenta um bocado para a diversão da história. Além disso, o combate dele é complementar à seleção de palavras da Ringo, com uma estratégia própria, o que adiciona uma camada a mais de complexidade ao combate nos episódios seguintes.
O problema maior do jogo fica menos em relação ao combate e mais em relação ao escopo dele.

Season Finale
Apesar de não ser um jogo tão longo em relação à quantidade de episódios disponíveis e o combate ser bastante interessante e permitir diferentes formas de usar as palavras para criar golpes, entre outras estratégias para derrotar seus inimigos de forma mais rápida, a sensação no final é que o jogo acaba se arrastando um pouco mais que o normal, assim como um filler de um episódio de anime.
Toda a estética do jogo é muito chamativa e bem pensada, mas a rotina dividida entre só andar pelo mapa e batalhar incansavelmente compromete o próprio combate, que tem que segurar nas costas boa parte da experiência do jogo. Em sessões mais curtas de jogo, ele se torna menos repetitivo, mas jogando direto o fator “novidade” não se sustenta a longo prazo.
Inicialmente, quando as novidades são apresentadas aos poucos e o combate vai fluindo cada vez mais, a sensação é excelente e mantém o jogador entretido. Mas, após se firmar, o combate não irá oferecer mais desafios para além da dificuldade dos chefes. Além disso, o combate é focado na maior parte do tempo na Ringo, apenas. Apesar da ajuda do Wolfe, ele não se faz presente em parte da história e não existem novos personagens entrando em sua equipe. Isso acaba refletindo em uma falta de novidade ao longo dos capítulos, e o que mantém o jogador ativo até o final acaba sendo justamente a história, que é bem cativante.
De todo modo, Wander Stars é um jogo bastante agradável e confortável, principalmente para quem, antes de tudo, é mais que fanático pelo universo de animes e, em seguida, por jogos de RPG. Todas as referências são uma carta de amor a séries que fizeram a infância de muita gente e, por mais repetitivas que sejam as reviravoltas, é algo tão leve e bem-humorado que vale a pena investir seu tempo apenas pela a história.
Para quem quiser se aprofundar e curtir o combate, apesar da repetitividade ao longo dos demais capítulos, pode evoluir os personagens e tentar rejogar os episódios em um modo ainda mais difícil, aumentando um pouco mais o desafio.
Tal qual um episódio de Dragon Ball Z em que já sabemos o que vai acontecer e mesmo assim não deixa de ser divertido e cativante, Wander Stars foi às origens e representou muito bem sua principal inspiração.
Esta análise é baseada na cópia de PS5 fornecida pela Double Jump Communications e Fellow Traveller.




