South of Midnight – Análise

Gabriel Kreyssig Romualdo (@budabyte)
Gabriel Kreyssig Romualdo (@budabyte)

South of Midnight é um jogo que venho aguardando há bastante tempo. Quando foi anunciado, me encantei imediatamente com sua ambientação no sul dos Estados Unidos – uma região com uma cultura riquíssima e que sempre me fascinou. No entanto, junto com a empolgação, veio também um certo receio. Afinal, o jogo está nas mãos da Compulsion Games, responsável por Contrast e We Happy Few, dois títulos que, na minha opinião, ficaram no máximo na média – para não dizer decepcionantes. Mas será que eles repetiram os mesmos erros do passado, ou South of Midnight representa, finalmente, um acerto? Descubra nesta análise!

O sul dos Estados Unidos

South of Midnight se passa no profundo sul dos Estados Unidos, explorando o gênero southern gothic, pelo qual sou apaixonado. Para quem não está familiarizado com a temática, vale explicar: esse estilo aborda aspectos característicos da região sulista, como a pobreza, o fanatismo religioso, as cicatrizes da escravidão e o conservadorismo. Embora o jogo adote uma abordagem não tão agressiva (pelo menos de início), a estética está presente com força – trazendo aquela atmosfera típica de regiões pantanosas, com construções simples e decadentes, permeadas por surrealismo e bizarrices.

Assim como o sul dos Estados Unidos é repleto de lendas na vida real, South of Midnight também faz questão de criar seu próprio folclore. Em seu universo, o povo conta a história da Grande Tapeçaria, uma trama invisível que sustenta o mundo. Quando a população sofre, os fios dessa tapeçaria se rompem, dando origem aos espíritos conhecidos como Assombrações. No entanto, com o surgimento do mal, também vem o bem: em meio à tempestade, desperta uma Tecelã – figura responsável por banir as Assombrações e restaurar os fios, devolvendo a vida à terra. É no Condado de Chickasaw, na cidade de Prospero, que nossa história começa, acompanhando a protagonista Hazel.

Hazel, a protagonista / Reprodução: Divulgação

Lacey, mãe de Hazel, chega em casa após um dia difícil de trabalho, enfrentando os efeitos de um furacão que se aproxima. Uma discussão acontece, e Hazel decide verificar como estão os moradores da região. Durante uma conversa com a Sra. Pearle, a casa é levada pela correnteza, junto com sua mãe. A ex-atleta tenta alcançá-la, mas falha, e corre até a mansão de sua avó em busca de ajuda. A partir desse ponto, Hazel descobre oficialmente seus poderes de Tecelã, e assim começa a jornada.

A trama de South of Midnight não é complexa, mas funciona muito bem. Hazel é uma adolescente em transição para a vida adulta, e com isso vêm as clássicas incertezas. A relação conturbada com a mãe, a culpa por não ter conseguido salvá-la, o luto pelo pai, falecido inesperadamente quando ela ainda era criança – e agora, talvez, um novo luto. É o momento de amadurecer e enfrentar as adversidades da vida, enquanto é guiada por uma galeria de personagens malucos e carismáticos, como o hilário Bagre. Hazel também assumirá as dores de diversos personagens importantes para a trama, ajudando-os a enfrentar seus passados e encontrar a paz. Esse papel é fundamental não apenas para o desenvolvimento da história, mas também para a evolução pessoal da protagonista, que cresce a cada novo encontro e desafio.

O Bagre, um dos personagens mais divertidos de South of Midnight / Reprodução: Divulgação

A era de ouro dos videogames

South of Midnight pode ser dividido em dois pilares principais: exploração e combate. O jogo é estruturado em capítulos, cada um ambientado em diferentes cenários do sul dos Estados Unidos – com florestas densas e pântanos repletos de espinhos, consequência direta do rompimento da Tapeçaria.

A exploração, apesar de competente, não oferece grande variedade. Na maior parte do tempo, seguimos por caminhos lineares, com poucas rotas alternativas. Quando encontramos um local mais distinto, é sinal de que há algo para fazer, como coletar os Felpos – pontos usados para aprimorar as habilidades de Hazel. O jogo também conta com seções de plataforma que, embora simples, são divertidas. Mais uma vez, tudo segue aquela proposta do “simples e funcional”, um estilo que, pessoalmente, sempre me agrada. O uso das habilidades de combate como forma de interação com o cenário também foi uma boa sacada, sendo eficiente e criativo.

Explorando as regiões do sul dos Estados Unidos / Reprodução: Divulgação

Já o combate, embora não seja profundo, entrega uma boa dose de diversão. A base é simples: atacar e se esquivar das Assombrações, usando habilidades especiais para ajudar nos combates. Como os confrontos geralmente ocorrem em arenas fechadas e com múltiplos inimigos, a estratégia ideal é clara: isolar um adversário e focar nele, tornando a luta mais gerenciável. E aqui vai um destaque merecido: eu nunca tinha visto alguém usar agulhas de tapeçaria como arma principal em qualquer mídia. Ponto para a equipe criativa por essa ideia tão inusitada quanto original!

A gameplay de South of Midnight é, no geral, simples até demais. Embora isso possa ser visto como um ponto negativo, há certo charme nessa abordagem. A Compulsion Games fez um trabalho fenomenal, criando uma estrutura que remete diretamente à era de ouro dos videogames – aquela vibe da geração PlayStation 2 e início do PlayStation 3 e Xbox 360 – trazendo uma deliciosa sensação de nostalgia. E vale lembrar: estamos falando de um projeto Double A, desenvolvido por um estúdio de menor porte. Mesmo sob o guarda-chuva da Microsoft, o orçamento não é ilimitado como muitos imaginam. É ótimo ver que ainda há espaço para ideias criativas e autorais dentro da divisão Xbox.

Além disso, o jogo tem duração exata de 12 horas, encerrando-se justamente no momento em que poderia começar a se tornar repetitivo. Esse é mais um acerto, especialmente em uma indústria que, frequentemente, valoriza jogos excessivamente longos – muitas vezes acima de 30 horas – que acabam comprometendo a experiência com repetição, ritmo arrastado e mundos subaproveitados. Em South of Midnight, o tempo é preciso, e tudo o que precisava ser contado e explorado está ali, no ritmo certo.

Combate é simples, mas funcional / Reprodução: Divulgação

Arte em seu estado puro

O que mais me chamou a atenção em South of Midnight, desde o seu anúncio oficial, foi a direção de arte – e imagino que o mesmo tenha acontecido com boa parte do público. O jogo combina um visual cartunesco com um estilo que remete ao stop-motion, lembrando bastante animações como Coraline e Kubo e as Cordas Mágicas. Toda essa estética se une à bela ambientação do sul dos Estados Unidos, mais uma vez marcada por densas florestas e pântanos. O cenário, por si só já encantador, se torna ainda mais fascinante quando misturado ao mundo mágico criado pelo jogo.

O efeito stop-motion – que causou estranhamento em muitos que assistiram aos trailers – pode ser completamente desabilitado. Pessoalmente, acredito que isso vai contra a proposta artística do jogo, até porque o efeito é sutil e, em muitos momentos, quase imperceptível. Hazel, a protagonista, se move com agilidade e fluidez durante a gameplay, criando um contraste interessante com esse estilo visual. Ainda assim, é positivo que exista a opção de desligar o efeito, servindo como recurso de acessibilidade para quem possa se sentir desconfortável.

Se o visual já impressiona, a trilha sonora então… nem se fala. South of Midnight tem, com folga, uma das melhores trilhas sonoras de 2025 – e olha que o ano ainda promete muita coisa. A música acompanha o jogador em todos os momentos da jornada: nas seções de exploração, nas plataformas e até nas batalhas, mudando de ritmo conforme a situação exige. Em alguns trechos, temos até músicas cantadas, que são um espetáculo à parte, contando a história da cena de forma poética e envolvente. Infelizmente, essas faixas não têm legendas, o que certamente fará com que jogadores brasileiros percam parte do contexto, restando apenas a emoção transmitida pela melodia.

South of Midnight é arte em estado puro. A Compulsion Games não teve medo de apostar em um gênero pouco explorado – o southern gothic – e em uma estética visual arriscada como o stop-motion. Mesmo com certo estranhamento por parte do público, a decisão foi corajosa e acertada. Este jogo prova que não são necessários gráficos hiper-realistas rodando na Unreal Engine 5 para entregar uma experiência visual memorável. Com amor, cuidado e uma boa dose de conhecimento cultural, é possível criar algo verdadeiramente único. E um bônus importante: South of Midnight está muito bem otimizado! Se você tem um PC mais modesto, vale a pena dar uma chance.

Direção artística de tirar o fôlego / Reprodução: Divulgação

Uma experiência adorável

O ano de 2025 mal começou, mas tenho certeza de que, até o fim, South of Midnight continuará sendo uma das experiências mais divertidas, fascinantes e encantadoras que joguei. Amei cada minuto explorando o sul dos Estados Unidos, cada detalhe visível que claramente foi criado com carinho pela equipe da Compulsion Games. O conhecimento cultural aplicado pelos desenvolvedores é de altíssimo nível – South of Midnight não é apenas um jogo, mas também uma obra de arte e uma peça de história interativa. A simplicidade da gameplay pode não agradar a todos, mas isso é apenas um detalhe diante de um mar de qualidades.

Esta análise é baseada na cópia de PC fornecida pela Xbox Brasil.

South of Midnight
8.5
Compartilhe esse artigo
1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *